Pleyel x Érard

A harpa passou, durante os séculos, por diversas transformações. A harpa de pedais de dupla ação, como conhecemos hoje, existe há pouco mais de dois séculos. Existiram muitas tentativas de tentar transformá-la num instrumento de maiores possibilidades, como a própria utilização dos pedais, ou de fileiras duplas ou triplas de cordas. 

Em 1903, a fábrica de instrumentos Pleyel encomendou de Debussy uma peça para harpa e orquestra de cordas, para exibir sua novíssima criação, uma harpa cromática com duas fileiras de cordas, eliminando a necessidade de pedais, facilitando passagens rápidas de uma tonalidade a outra ou a utilização de muitos acidentes. Era um instrumento potencialmente revolucionário. Para isso, Debussy escreveu em 1904 as "Danças Sacras e Profanas". 

A firma  rival, Érard, principal fabricante da convencional harpa de pedais, encomendou de Ravel uma peça para demonstrar as possibilidades de seu instrumento. "Introdução e Allegro" foi então escrita, sendo a primeira peça a explorar profundamente os recursos do instrumento solo.

A harpa cromática, criação de Gustave Lyon, da firma Pleyel, por curto período de tempo interessou aos harpistas, mas foi logo abandonada por acharem que as cordas extras sacrificavam a ressonância e afinação do instrumento. Além disso, apesar de possibilitar a utilização de escalas cromáticas, recurso impossível numa harpa de pedais, a harpa cromática não permite um dos maiores recursos da harpa de pedais, e um diferencial com relação a outros instrumentos: a enarmonização das notas, possibilitando glissandos em qualquer tonalidade.

Assim sendo, prevaleceu a harpa de pedais de dupla ação. Seu funcionamento é simples. Basicamente são sete pedais, um para cada nota, com três posições (bemol, natural, sustenido). Quando o harpista aciona, por exemplo o pedal "si", colocando-o na posição de bemol, todas as cordas "si" tornam-se "si bemol". E assim também para o sustenido, e para todas as notas.

Dessa forma, músicas que são simples tecnicamente, no que se refere aos dedos, podem tornar-se extremamente complexas por causa da grande utilização de pedais. E é isso que as pessoas muitas vezes não entendem quando não conhecem a mecânica da harpa. 

A criação de Debussy, as "Danças Sacras e Profanas", atualmente é tocada nas harpas de pedais. E é justamente a grande utilização de cromatismos que torna a música complexa para ser tocada. Na harpa cromática possivelmente não seria assim. Mas agradecemos infinitamente a Debussy pela sua magnífica contribuição para nosso escasso repertório.

Deixo abaixo as duas peças para que vocês possam desfrutar.

Remy van Kesteren - Danças Sacras e Profanas - C. Debussy


Helga Stork - Introdução e Allegro - M. Ravel

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